Se você circula pela internet e/ou nas redes sociais provavelmente já se deparou com a expressão “gatilho mental” em algum momento. Geralmente utilizado no campo do marketing ou da saúde mental, o termo está ligado a estímulos que são apresentados, percebidos e geram respostas dos sujeitos. Entretanto, aqui aprofundaremos no conceito de gatilhos mentais à luz da psicologia e psiquiatria.
Talvez você não tenha reparado, mas o uso dessa expressão é comum entre jovens quando estes querem indicar desaprovação com algo ou situação: “isso é/dá gatilho”. Como geralmente acontece no mundo contemporâneo, termos técnicos são banalizado e, aos poucos, vão perdendo o sentido original. Por essa razão, vale falarmos um pouco sobre o que são, como funcionam e como lidar com os gatilhos mentais.
Pois bem, os gatilhos mentais, também conhecidos como desencadeadores emocionais, são estímulos internos (em nossa mente e/ou corpo) ou externos (outras pessoas e/ou mundo) que evocam uma resposta emocional intensa e, muitas vezes, negativa em uma pessoa. Esses gatilhos podem ser uma lembrança, uma situação específica, um objeto, um cheiro ou qualquer outro estímulo que esteja associado a experiências passadas traumáticas, dolorosas ou desafiadoras. Por exemplo:
Lembranças traumáticas: Uma pessoa que tenha passado por um acidente de carro pode ser desencadeada emocionalmente ao ver imagens ou vídeos de acidentes semelhantes, ou ao passar por locais onde ocorreram acidentes.
Situações específicas: Uma pessoa que tenha sofrido abuso emocional em um relacionamento passado pode ser desencadeada por situações que lembram o padrão de abuso, como discussões acaloradas ou atitudes controladoras.
Objetos simbólicos: Um objeto específico pode servir como gatilho para alguém que tenha experimentado uma perda significativa. Por exemplo, uma pessoa que perdeu um ente querido pode ser desencadeada emocionalmente ao encontrar um item que pertencia à pessoa falecida.
Cheiros associados a eventos traumáticos: Odores específicos podem evocar memórias e emoções intensas. Por exemplo, uma pessoa que tenha vivenciado um incêndio em sua casa pode ser desencadeada por cheiros de fumaça ou queimado.
Datas significativas: Aniversários de eventos traumáticos, como a perda de um ente querido, podem ser gatilhos emocionais para muitas pessoas, trazendo à tona lembranças e emoções dolorosas.

Ao ver esses exemplos você pode estar pensado: “ok, mas cheiros, objetos, etc também podem trazer memórias boas”. Exatamente, gatilhos mentais são apenas disparadores de memórias ligadas às vivências e experiências individuais. E nada mais. Não são bons ou ruins em si, pois recebem valoração a partir da interpretação que o indivíduo dá a eles. Ou seja, o mesmo cheiro pode ser desencadeador de memórias afetivas para Ana e trazer lembranças horríveis para Maria.
Diante disso, vale destacarmos como o termo é usado de maneira equivocada atualmente. É comum vermos, principalmente nos ambientes virtuais de interação (redes sociais, fóruns, comentários em sites, etc.), pessoas alertando que fotos, gestos ou frases acionam determinado “gatilho” nelas. A expressão é usada de maneira superficial para descrever qualquer coisa que cause desconforto emocional ou perturbação, sem estar necessariamente ligada a experiências traumáticas. Isso pode levar a uma diluição do significado original do termo, tornando-o menos preciso e menos útil para aqueles que realmente sofrem com gatilhos mentais relacionados a traumas reais.
Podemos citar um exemplo recente em que jovens adultos iniciaram um curioso “debate” nas redes sociais sobre a postagem de fotos de mães e pais. Alguns alegavam que ver fotografias de pessoas com seus respectivos progenitores “disparava gatilhos”, pois acionava nelas lembranças ruins ou, em alguns casos, tristeza por nem mesmo terem memórias, pois não tiveram essas figuras em suas vidas. De fato isso pode ser algo desagradável. Contudo, em primeiro lugar, apresentar um sentimento negativo é diferente que despertar emoções traumáticas. Segundo, o mundo (entendido aqui como experiência humana em sua plenitude) não pode ser controlado ou freado. A vida é, ela mesma, criadora e descadeadora de gatilhos, ad infinitum. Nada pode mudar isso, pois não existe ser humano saudável que seja livre de memórias. O que pode ser alterado é o quanto o indivíduo é suscetível a este fenômeno.
Como funcionam os gatilhos mentais?
Os gatilhos mentais estão intimamente relacionados à forma como o cérebro processa e armazena informações emocionais. Durante eventos traumáticos, o cérebro ativa regiões como a amígdala, que desempenha um papel fundamental na resposta emocional. Essa ativação intensa da amígdala está associada à consolidação da memória traumática.
Estudos neurocientíficos têm demonstrado que a amígdala desempenha um papel crucial na formação de associações emocionais entre estímulos externos e respostas emocionais. Essas associações podem ocorrer através de mecanismos de condicionamento clássico, nos quais um estímulo neutro é pareado repetidamente com um estímulo emocionalmente carregado, resultando na associação entre ambos.
Um estudo realizado por Phelps e LeDoux (2005) utilizou técnicas de neuroimagem para investigar a relação entre a amígdala e as respostas de medo condicionado. Os resultados mostraram que o condicionamento do medo resulta em uma maior ativação da amígdala em resposta ao estímulo condicionado, mesmo quando o estímulo ameaçador não está presente. Isso evidencia a importância da amígdala na formação de associações emocionais duradouras.
Além disso, pesquisas também têm demonstrado que a ativação da amígdala em resposta a gatilhos mentais pode estar associada a alterações em outras regiões cerebrais, como o córtex pré-frontal e o hipocampo, que desempenham papéis cruciais na regulação emocional e no processamento da memória, respectivamente.
Portanto, os gatilhos mentais funcionam por meio da associação entre estímulos específicos e memórias emocionalmente carregadas, desencadeando respostas emocionais intensas. Essas associações são estabelecidas no nível neurobiológico, envolvendo a ativação da amígdala e a interação com outras regiões cerebrais envolvidas no processamento emocional e da memória.
Gatilhos mentais estão relacionados a outros distúrbios mentais?
A ansiedade pode estar diretamente relacionada aos gatilhos mentais, pois certos estímulos podem desencadear respostas de ansiedade intensas em pessoas que sofrem de transtornos de ansiedade ou que têm uma predisposição a reagir de forma ansiosa a certos estímulos.
Um estudo publicado no Journal of Anxiety Disorders em 2012, conduzido por Craske et al., investigou a relação entre gatilhos mentais e transtornos de ansiedade. Os pesquisadores descobriram que os gatilhos mentais desempenham um papel importante na manutenção dos transtornos de ansiedade, pois as respostas de ansiedade intensas evocadas pelos gatilhos podem levar à evitação de certas situações, perpetuando o ciclo de ansiedade.
Além disso, um estudo publicado no Journal of Clinical Psychology em 2016, realizado por Lommen et al., examinou a relação entre gatilhos mentais e o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Os resultados mostraram que os gatilhos mentais têm um papel central na ativação de sintomas de ansiedade, medo e evitação associados ao TEPT.
É importante ressaltar que a relação entre gatilhos mentais e ansiedade pode variar de pessoa para pessoa. Algumas pessoas podem ser mais sensíveis a certos estímulos desencadeantes do que outras, devido a diferenças em experiências passadas, vulnerabilidades individuais ou outros fatores.
O tratamento de transtornos de ansiedade relacionados a gatilhos mentais geralmente envolve abordagens terapêuticas como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), que visa identificar e reestruturar as crenças disfuncionais e a resposta de ansiedade associada aos gatilhos. A exposição gradual e controlada aos gatilhos também pode ser utilizada para ajudar os indivíduos a diminuir a resposta de ansiedade associada a eles.
Como reagir aos gatilhos mentais?
Reagir aos gatilhos mentais de maneira saudável e eficaz pode exigir algumas estratégias. Algumas abordagens comumente utilizadas são:
Reconhecimento e conscientização: Reconhecer conscientemente os gatilhos mentais é um primeiro passo importante. Tornar-se ciente dos estímulos que desencadeiam respostas emocionais intensas pode ajudar a preparar-se melhor para lidar com eles.
Práticas de autorregulação emocional: Utilizar técnicas de autorregulação emocional pode ajudar a gerenciar as emoções intensas desencadeadas pelos gatilhos mentais. Exemplos de técnicas incluem a prática da atenção plena (mindfulness), a respiração profunda, o relaxamento muscular progressivo e a visualização criativa.
Reestruturação cognitiva: Identificar e desafiar pensamentos negativos ou distorcidos associados aos gatilhos mentais pode ser benéfico. A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) é uma abordagem terapêutica comumente utilizada para ajudar as pessoas a identificar e reestruturar seus pensamentos disfuncionais.
Busca de apoio social: Compartilhar suas experiências com pessoas de confiança pode fornecer suporte emocional e validação. Amigos, familiares ou grupos de apoio podem ser recursos valiosos para ajudar a lidar com os desafios emocionais associados aos gatilhos mentais.
Técnicas de exposição gradual: Sob a orientação de um profissional de saúde mental, a exposição gradual aos gatilhos mentais pode ser uma estratégia terapêutica eficaz. Isso envolve a exposição controlada e repetida aos estímulos desencadeantes, permitindo que a resposta emocional diminua gradualmente ao longo do tempo.
É importante destacar que a busca de ajuda profissional é fundamental para desenvolver um plano de tratamento adequado e individualizado. Um profissional de saúde mental poderá fornecer orientações específicas e utilizar abordagens terapêuticas baseadas em evidências para ajudar a lidar com os gatilhos mentais de forma eficaz.
Como o auxílio profissional pode ajudar?
A ajuda profissional desempenha um papel fundamental no tratamento dos gatilhos mentais. Os profissionais de saúde mental podem fornecer uma abordagem personalizada para ajudar as pessoas a lidar com seus gatilhos, explorar as origens dos traumas subjacentes e desenvolver estratégias eficazes para lidar com as emoções desencadeadas. Além disso, eles podem utilizar técnicas terapêuticas comprovadas, como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e a Terapia de Exposição, para ajudar os indivíduos a enfrentar os gatilhos mentais de maneira gradual e segura.
É importante ressaltar que as informações fornecidas aqui são baseadas em conhecimentos científicos atuais, mas cada pessoa é única, e é essencial buscar ajuda profissional específica para lidar com gatilhos mentais e outras questões relacionadas à saúde mental.
Referências:
Craske, M. G., Treanor, M., Conway, C. C., Zbozinek, T., & Vervliet, B. (2014). Maximizing exposure therapy: An inhibitory learning approach. Behaviour Research and Therapy, 58, 10-23.
Hinton, D. E., & Hofmann, S. G. (Eds.). (2013). The Wiley-Blackwell handbook of transdiagnostic treatment of anxiety disorders. John Wiley & Sons.
Hofmann, S. G., Asnaani, A., Vonk, I. J. J., Sawyer, A. T., & Fang, A. (2012). The efficacy of cognitive behavioral therapy: A review of meta-analyses. Cognitive Therapy and Research, 36(5), 427-440.
Linehan, M. M. (2015). DBT skills training manual. Guilford Publications.
Lommen, M. J., Engelhard, I. M., & van den Hout, M. A. (2010). Neuroticism and avoidance of ambiguous stimuli: Better safe than sorry? Personality and Individual Differences, 49(8), 1001-1006.
Phelps, E. A., & LeDoux, J. E. (2005). Contributions of the amygdala to emotion processing: from animal models to human behavior. Neuron, 48(2), 175-187. doi: 10.1016/j.neuron.2005.09.025.
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